Alma na casa sozinha, de Felipe Gomes

Composto por 55 poemas, Alma na casa sozinha (Patuá, 2020), marca a estreia do poeta carioca Felipe Gomes, com imagens caleidoscópicas em suas mais variadas matizes.

É o que se observa na volatilidade dos corpos em seu poema de abertura “natureza”. Se no primeiro instante o corpo-vitrine revela toda sua fragilidade ante ao estilhaçamento sempre iminente, donde não há resistência nem escapatória, nos versos finais a ânsia é de entregar-se ao desejo “de cheirar o pescoço / daquele moço que pediu licença / e passou”.

A referência a Basquiat no primeiro dos sete poemas “[sem título]” não é à toa. Há uma verve neoexpressionista, de cenários multifacetados, nas imagens-poéticas de Felipe Gomes. O êxtase do seu olhar sobre a paisagem carioca “num fade out cinza cintilante / de fim de tarde nublado / com brinquinhos de luzes prematuramente salpicados / diante do portal de concreto” tanto ilustra quanto indica a caudalosa estética que se encontrará nos poemas seguintes. Este mesmo olhar que também é uma janela induz o leitor a reclamar para si as palavras finais do eu lírico e suspirar “deus, como não ser intenso / numa cidade dessas”. Não se esquecendo, no entanto, de ter sempre em mente a advertência: “meu erro na vida / foi teimar que o / oculto / existe pela revelação / não pela perplexidade”.

Em seus poemas, a cidade é sempre um elemento em constante composição e recomposição, rabiscada por um passeio de bicicleta pela urbe, com seus “garotões padrõezinhos no skate / velhinhos eternos no carteado / mocinhas hipsters em lona branca e luz neon / famiglia tradizionale & les enfants in the house”. É quase possível ouvir os sons enquanto percorremos a descrição dos cenários urbanos e personagens.

A geografia de todos os espaços é motivo condutor em Alma na casa sozinha, assim como a epiderme e tudo o que é corpo, alma, pensamento, memória e afetos. Matérias-primas transmutadas em palavras, escritas, rasuradas, decompostas, fragmentadas. Após seu exercício de “desaprender a escrever” o poeta se questiona “foram as pontas dos meus / dedos feitas para me / conectarem / com o / ser?” Dedos que tingem a superfície pálida do papel com negro de fumo, nanquim, grafite ou qualquer outra pigmentação que eternize o ato contínuo de escrever. Mesmo quando escrever pareça não ter algum significado “porque já me acostumei / com que minhas palavras / não o tenham”.

A poesia de Felipe Gomes é um convite a reflexão desobrigada de qualquer busca racional e explicações lógicas. Refletir aqui é deixar-se conduzir pela força anímica que preenche os espaços dessa casa que também é o seu exterior e o que se encontra além dos seus limites. E sobretudo deixar se afetar pelos seus afetos.

Felipe Gomes nasceu em 1984, na cidade do Rio de Janeiro, onde vive. Formou-se na UERJ: graduação em Letras (Português/Literaturas), especialização e mestrado em Literatura Brasileira. Além de poeta, é professor de Língua Portuguesa na Rede Pública do Sistema Municipal de Ensino e tem poemas publicados em periódicos literários.

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