Como dito em outro lugar, reinicio os trabalhos aqui na Ágora com Umbuama, obra de estreia do escritor, poeta e dramaturgo paraibano Daniel Rodas, lançada pela Editora Urutau em 2021. Um livro composto por 58 poemas distribuídos em três partes, “Gaia”, “Parvati” e “Pachamama”, divindades femininas cuja cosmogonia se estabelece fortemente ligada à terra, como mães.

Essa mesma ligação se mantém nítida em cada poema entre o eu lírico e a natureza, não como mera ação contemplativa ou resgate de uma vivência campesina dissolvida pela urbanidade. Trata-se de um elo que vai além e nos arremessa para dentro das imagens tecidas pelo poeta, de onde, uma vez adentrado, dificilmente sairemos ilesos. Seja no “pasto de cabras sob o sol de setembro”, ou entre “esse espanto de viver” das abelhas “que despacha a miséria”, esta mãe umbuama “é um torrão de terra / debaixo de um pé / de umbu”, “tenra árvore humana / frondosa de silêncios-véus”.
Se no poema “sutra do cerrado” a ligação homem-animal-mãe é perene e cíclica, sem a qual não é possível haver um só elemento sem a existência do outro. Em “rua vazia” o apelo é outro. O que nos impele a refletir sobre que condição humana é esta, cuja ausência é digna de ser celebrada pela fauna e flora que a tudo observa? Sabemos bem que espécie de humanidade é non grata tanto nesta vida quanto em qualquer outra. A lição a seguir só poderia ser “Arvorar as raízes / da vida // fazer-se carne / Mesmo que ao / Vento // Buscar sustento / Nas profundezas / Da terra // Matar a morte / Na teimosia do / Instante // Estar aqui / Agora e amanhã // Mas sem nunca / Esquecer // As tardes do / Ontem”.
Quando malquista, tal qual em “rua vazia”, “sono florestal”, “queimadas”, “século xxi” ou mesmo em “na floresta”, o conflito na relação homem-natureza também se faz presente nos versos de Daniel Rodas. Mas ao contrário das recorrentes barbaridades cometidas pelo homem, tematizadas em forma de protesto e denúncia, a violência contida em Umbuama é outra, e porque não dizer, natural e merecida, como se observa nos poemas “andorinha”, “legítima defesa” e “teoria do mosquito”.
Ainda que o pé de goiaba e os laranjais se façam presentes, é o umbuzeiro aquele que ratifica o seu lugar no panteão das demais árvores míticas e sagradas. “O umbuzeiro é um ancião dos velhos tempos / — Rabugento, talvez / Mas sábio — / Sábio como o clamor dos ventos / Sábio / Como o rugir da terra”.
O desejo, enquanto força volitiva humana que nos rege, não poderia ser outro a não ser unir-se e deixar se pertencer inteiramente “in natura”: “Viver na natureza. / Ouvir o canto das montanhas / Sorver o sopro das estrelas / Correr ao passo dos cavalos. / Viver na selva / No coração em fogo. / Dançar nos pastos e cerrados / Correr as mãos sobre a terra úmida / Pintar de cores as luzes noturnas / Viver sem ferro / Sem grade / Sem asco. / Só além das paredes da cidade”.
Poucas são as palavras para dizer aquilo que é preciso, e assim Daniel Rodas compõe seus poemas. A maioria deles, e sobretudo na terceira parte, não passa de três versos. Todavia, independentemente da extensão, é na palavra, na união entre elas como em seu título e no silêncio dos espaços e do não-dito que a experiência estética proporcionada por tal obra se efetiva.

Daniel Rodas (Teixeira-PB, 1999) é escritor, poeta e dramaturgo. Aos 18 anos, ingressou no curso de Letras da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). É editor da Revista Sucuru. Autor da plaquete Eros e Saturno (Editora Primata, 2021), tem textos publicados em vários meios eletrônicos, a exemplo das revistas Mallarmargens, Ruído Manifesto, Toró e Subversa. Faz parte do grupo de teatro Experleus da cidade de Monteiro (PB), no qual colabora como ator. Pensa na poesia como um fluxo, como o fluir incontrolável da vida. Umbuama é seu livro de estreia.