Se toda estreia no meio artístico-literário é também uma forma de apresentação pessoal, a obra “Vinco” (Viseu, 2021), de Thiago Loureiro, é um inequívoco indicativo de que estamos diante de um autor que tem muito a nos dizer e ainda dará muito o que falar. Não apenas pelo teor dos temas abordados em sua obra, marcados por questões caras à comunidade LGBTQIA+, mas também e sobretudo pela forma como eles foram conduzidos — e quando digo forma, não restrinjo o termo a um dos elementos narrativos, mas evoco uma das questões mencionadas e que mais à frente retomarei.

Dividido em quatorze capítulos que se alternam entre ação narrativa e discurso, o romance de Thiago é um convite ao exercício da escuta e da leitura. É certo que isso é uma regra básica entre jornalistas diplomados (como o narrador-protagonista enfatiza inúmeras vezes), mas se tratando de fluidez e dinâmica da narrativa poderia não ser, caso tais questões fossem o objetivo maior, fazendo as personagens interagirem mais vezes entre os longos discursos; principalmente numa conversa de bar, como se espera que seja e a própria personagem em questão reconhece e se desculpa ao término de sua fala por teorizar demais.
Ter voz e ser ouvido. Me arrisco a dizer que esses são os pontos chaves de “Vinco”, e que a todo instante são enfatizados ao longo da narrativa, seja como algo essencial para o equilíbrio dos relacionamentos familiares e afetivos, ou como uma das barreiras mais traumáticas enfrentadas pela maioria das personagens fictícias ou não. Até mesmo porque, independente do tema, da sua urgência e relevância, que razão e importância ele há de ter se não houver dialogicidade, ou alguém para falar e ouvir?
Não me espantaria se algum leitor em busca de ação, do que acontece nos lugares mais hedonistas das noites, dentro das casas noturnas e seus banheiros, passasse desapercebido por isso e considerasse o romance muito mais ensaísta, documental e jornalística do que uma obra ficcional (isto é, penosa demais pra quem está interessado apenas em diversão e entretenimento). É sintomático em nossa época buscar a distração galopante, fugir a todo custo do aborrecimento — como enfatiza Schopenhauer —, e quando for o momento de algo mais sério, sermos o centro das atenções, os únicos a dizer algo e quase nunca ouvir (ou ler) o que o outro tem a dizer.
Poder dizer algo e deixar o outro falar parece uma tarefa fácil, a princípio, mas quando olhamos para a leitura como um modo disso acontecer, talvez não seja, se levarmos em consideração o que o helenista francês Pierre Hadot diz sobre a leitura em sua obra “Exercícios espirituais e filosofia antiga”. Segundo Hadot: “Nós passamos nossa vida a ‘ler’, isto é, a fazer exegese e até exegese de exegese […], nós passamos nossa vida a ‘ler’, mas não sabemos mais ler, isto é, parar, libertarmo-nos de nossas preocupações, voltar a nós mesmos, deixar de lado nossas buscas por sutilezas e originalidade, meditar calmamente, ruminar, deixar que os textos falem a nós”.
Tenho para mim que é exatamente isso o que Otávio se prontifica a fazer quando detém sua fala diante dos relatos de Adauto, Ana, Bertinho, Cacá, Camile, Laura, Miguel, Raul, Valentim e Verônica, e quando Loureiro emula esse ato na tecitura de sua narrativa. Ainda que, como dito, alguém venha reclamar de sua mise-en-place na composição das cenas e seus discursos à la gordurosas carbonara utilizada em determinado diálogo como analogia aos diferentes modos de amor e de amar, assim como Otávio, Thiago prefere experimentar, sair da mesmice, dos maneirismos narrativos, das soluções fáceis e do que venderia mais – dito assim mesmo, por qualquer editor mais interessado no lucro que no conteúdo. Enfim, Vinco é uma obra que se dispõe a deixar marcas aos que se permitirem. Difícil mesmo, é permanecer incólume após esse encontro.

Thiago Loureiro, nascido em 1979, em Rio Claro, São Paulo, é servidor público. Bacharel em Ciências Biomédicas e Doutor em Educação, publicou artigos em periódicos científicos e escreveu para a Obvious Mag. Admirador dos pequenos gestos, das prosas de bar e dos abraços longos. Vinho, café e cafuné são alguns de seus vícios. Foucault, Gal e Almodóvar, suas inspirações. De mente inquieta e insatisfeita com a [des]humanidade, encontrou na escrita, a possibilidade de sublimação. Cultiva o afeto como resistência à indiferença. A alegria como subversão à tristeza. Se tivesse direito a um último desejo em vida, pediria pastel de feira. Vinco é o seu primeiro livro.