A sutileza do Caos, de Márcio J. S. Lima, é uma obra sobre o fluxo de consciência de um protagonista em profundo estado de decadência. Uma correlação da interioridade de vida com o status quo da sociedade, como se um refletisse o outro.
Narrado em primeira pessoa, o romance é estruturado em 72 capítulos numa espécie de crônicas sobre o dia a dia de um personagem anônimo. Trata-se, em grande parte, de monólogos sobre um antagonista de si mesmo, desprovido de qualquer atitude reativa, embora reconheça o estado melancólico e niilista em que se encontra e a necessidade de libertar-se.

O texto em prosa, fragmentado, segue uma tendência na literatura contemporânea, flertando em diversos momentos com a forma poética. Em uma união entre estilo e conteúdo, a narrativa se mantêm fiel à ideia de caos anunciada no título do livro e logo nas primeiras linhas.
Do grego, o caos (Χάος) representa o deus primordial do universo, uma força catabólica que rege a transformação da matéria viva. Separação e amplitude. Ideia que, de certo modo, aparece numa das falas do narrador: “por um instante compreendo que a vida não passa de uma grande Abertura na qual precisamos por ela ser tocado”, numa clara referência ao conceito heideggeriano de presença e Ser-aí (ou Ser-aí-no-mundo). O que nos gera uma expectativa para que esta abertura, este estar presente no mundo de modo significativo, possa ressignificar a existência em algum momento. Ou seja, que o período medieval pelo qual alega ter passado, de fato, chegue ao fim, após despertar-se. Contudo, o caos que se estabelece na vida do protagonista desenvolve-se numa concepção mais próxima à ideia de desordem e vazio.
Há uma profunda necessidade do Outro na obra em questão, manifestada nas lembranças de um passado vívido. O que pode representar a ideia de completude numa relação interpessoal, como se o Outro fosse a força motriz capaz de libertar o sujeito do seu estado letárgico. Ou denotar a ideia de autoabandono e ressentimento.
Equivalendo-se ao reflexo de uma decadência social e de si mesmo, o enredo se desenvolve como um símile dos dias que se repetem com variações mínimas, como se adentrássemos num looping eterno. A solução paliativa do narrador-protagonista para essa e outras questões encontra-se na mesa do bar, ou no álcool propriamente dito. Algo semelhante à peça “91 Reais ou Não vai haver amor neste mundo nunca mais”, estreado por Gustavo Engracia, que narra a história de “Um desistente”. Um monólogo verborrágico de um ex-professor universitário que desistiu de suas convicções e vive esperando tudo acabar, entre um gole e outro, enquanto despeja pensamentos sem nenhum eufemismo no público.
Em meio a este cenário na obra de Lima, as reflexões sobre os mais variados temas tornam-se um atrativo à parte. Todavia, A sutileza do Caos não chega a ser um romance-ensaio não mais tão em voga e, de longe, atraente para o grande público. Como, por exemplo, as obras de Laurence Sterne (A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy), Robert Musil (O Homem Sem Qualidades), Vergílio Ferreira (Alegria Breve) e Karl Ove Knausgård (A Morte do Pai), com as incansáveis indagações de seus personagens em busca de um sentido existencial e uma reflexão profunda sobre a condição humana. Mas é um flerte, por assim dizer, com o gênero. O que garante ao leitor alguns bons momentos, em que, sem dúvidas, Márcio J. S. Lima esboça o seu melhor.
Quer tenha sido o objetivo do autor ou não, é possível ainda dizer que A sutileza do Caos estabelece um cotejo com a fotografia. Uma vez que a ação fica em segundo plano, a impressão é a de que estamos folheando um álbum com imagens em preto e branco de uma realidade soturna e distorcida. Neste caso, o processo imagético fica exclusivamente a cargo do leitor. Uma via de mão dupla que pode proporcionar tanto uma certa liberdade na efabulação dessas imagens, quanto uma limitação no acesso ao universo caótico que aparece refletido na egocentricidade do seu observador. Exigindo uma sutileza no ato contemplativo (leitura), passível de não ser percebida por alguém menos disposto.

Márcio J. S. Lima é natural de Brasília, radicado desde cedo na Paraíba. Pós-graduado em História do Brasil e doutor em Filosofia pela UFPB. Autor de Mundo recôndito das Sociedades Secretas (História), Ecos do Caos (Poemas) e do romance A guerra do Eu, em 2018 foi selecionado para compor a antologia Delirium Liricus, sagrando-se como um dos autores das duas melhores poesias.