O Peso Do Pássaro Morto [resenha]

Galardoado com o Prêmio São Paulo de Literatura 2018, na categoria estreantes com menos de 40 anos, o romance da escritora paulistana Aline Bei é um convite ao encantamento e a inquietude.

Uma das primeiras coisas que, certamente, mais chama a atenção em O peso do pássaro morto é a forma poética, tanto na linguagem quanto na estrutura, com que Bei imprime a sua escrita. Trata-se de uma “história sobre perdas, sem tréguas” — como a própria autora afirma em suas entrevistas —, narrada por uma voz poética numa linguagem próxima da oralidade.

O capítulo de abertura é marcado pelo tom de uma criança que, aos oito anos de idade, nos revela toda a sagacidade infantil de perceber o mundo à sua volta. A construção de imagens nessa primeira fase é tão marcante que, mesmo quando a protagonista atinge a maior idade e a velhice, a forma de olhar, de perceber as coisas e de falar sobre si mesma e o mundo, permanece, na sua essência, de modo inalterado. Ainda que as dores e as tristezas se desenvolvam numa escala crescente do início ao fim.

Ao todo, nove capítulos subdividem o livro em anos vividos pela narradora-personagem, que vão dos oito aos 17, 18, 28, 37, 48, 49, 50 e 52 anos. Em todos eles acompanhamos a transformação da protagonista, ou melhor dizendo, o seu enclausuramento num estado constante de decadência, oriundo das experiências vividas. Família, amizade, sexo e maternidade, tudo aquilo que poderia simbolizar algo positivo — uma mola propulsora para se libertar das opressões, da letargia e inércia, enfim, a força motriz para sair da condição em que se encontra —, mergulha-a numa solidão cada vez mais profunda, restando-lhe apenas o autoabandono como o substrato daquilo que caracteriza a sua transfiguração numa sombra de si mesma.

É profundamente simbólico o fato de a protagonista ser uma mulher sem nome, em oposição às demais personagens: uma vez que ela não possui identidade própria, representando uma espécie de arquétipo decadente de filha, mãe, avó, secretária e puta, aquilo que poderia ser a história de uma única personagem transforma-se numa história de muitas mulheres. Mulheres que viveram, vivem e, infelizmente, viverão as tragédias descritas ao longo da narrativa, e, que, como tantas outras, correm o risco de ter o mesmo fim: o silêncio.

Se o fio condutor da narrativa é a perda, que ao longo dos nove capítulos vão acumulando-se com todo peso e dor que cada um representa, a certa altura, tal recorrência cria expectativas, ou assegura intuitivamente ao leitor, que alguma tragédia acontecerá a qualquer instante. O que poderia, num primeiro momento, ser apontado como algo negativo no romance, não fosse a superação do desafio de transformar a previsibilidade em algo inesperado, revelando-se, portanto, como um de seus pontos mais fortes.

Isso ocorre porque, enquanto espectadores, já não temos mais o controle da leitura. Imersos numa narrativa híbrida entre a prosa e a poesia, entre o real e o imagético, tamanha singeleza e lirismo com que Aline Bei tece a sua escrita, somos guiados pelos olhos da narradora-personagem por uma série de imagens e figuras de linguagem como se o seu olhar fosse uma câmera subjetiva. A experiência é cinematográfica.

Ao término da leitura de O peso do pássaro morto, não raro é sentir o desejo de indicá-lo a outras pessoas, poder dialogar com seus leitores, compartilhar impressões e experiências. Sem falar, é claro, no anseio pela próxima obra da autora.

Aline Bei nasceu em São Paulo, em 1987. É formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e em Artes Cênicas pelo Teatro Escola Célia-Helena. É colunista do site cultural Livre Opinião — Ideias em debate e foi escritora convidada na Primavera Literária; Sorbonne Université, França 2018. O peso do pássaro morto, finalista do prêmio Rio de Literatura e do prêmio São Paulo, é o seu primeiro livro.

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